sábado, 18 de abril de 2015

Ironias

Enquanto fisioterapeutas lidamos com a dor dos outros diariamente. Dores localizadas ou indefinidas. Dores que chegam ao dez e outras que não passam do dois. Dores descritas de mil e uma maneiras mas que são isso mesmo, dor, e, como qualquer outra dor, deve ser minimizada ao máximo. O que dificilmente é minimizado é a intensidade com que a sentimos. A ironia que é lidar com a dor dos outros, mas não ser possível de minimizá-la ou preveni-la da nossa vida. A simplicidade da abordagem que temos com os pacientes muitas vezes reflecte-se na complexidade do nosso mundo à parte. Não devíamos já ter interiorizado o impacto da dor na vida dos outros para lhe fecharmos a porta? O problema reside, talvez, no facto dela entrar sem avisar, de apanhar a porta aberta e apoderar-se de um sítio onde contrasta com as suas características. É um parasita. Um parasita que surge quando menos esperamos. Uma dor tipo facada, daquelas bem fortes e inesperadas, uma dor causada por uma atitude incorrecta de alguém tão certo. Quase tão forte é a sensação de queimadura, conhecemos bem o espaço, é-nos demasiado familiar, talvez por isso não estejamos tão alerta e quando damos por nós já estamos a gritar de dor, a chamar todos os nomes a que nos vêm à cabeça. A água (a uma temperatura mais baixa) costuma ajudar nestas situações, a esquecer a dor. Talvez seja assim que quem nos magoa se sente, sempre quis arranjar uma teoria para tal, ei-la: usam a frieza das suas palavras e acções para camuflar a dor que sentem, pois só assim conseguirão escondê-la e continuar o seu caminho como se nada fosse, sempre numa ilusão que esconde a realidade. Talvez seja esta a maneira que eles arranjam para lidar com a dor. Há ainda a dor que surge como consequência do levarem uma parte de nós, quer seja por vontade própria ou não, que deixa sempre um buraco incapaz de ser completamente substituído. Mas pior ainda é a dor fantasma. Uma dor que surge de algo que não está presente, que já não ocupa a presença física daquele espaço. Que pode ser substituída por algo frio e materializado, mas que não assenta na perfeição. E esta é sem dúvida a pior de todas, a que deixa as maiores mazelas, a que pode durar a vida inteira, a que afecta bastante o psicológico e a nossa imagem. A que, mais do que todas as outras põem em causa a qualidade de vida. É a dor onde se corta o mal pela raiz e onde se sente maior ausência. De todas as dores, a que mais sinto é a do teu afastamento sem explicação lógica. Numa profissão que necessita dos gestos oferecidos, das mãos capazes, das palavras amigas, dos olhares cúmplices e dos sorrisos trocados mas, na hora de o ser um com o outro, falta tanto, falta tudo.

- MM -


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